Paulino Neves

Cassação equivocada do Izaque Carvalho

Recentemente, na Câmara de Vereadores de Paulino Neves, o vereador Izaque Carvalho foi afastado de seu cargo. O ex-presidente da câmara foi destituído de suas funções sob acusação de improbidade administrativa, após uma denúncia apresentada pelo suplente do vereador, Acredino da Silva Macedo, que também concorreu ao cargo nas eleições de 2020, pelo mesmo partido.

A denúncia alega irregularidades na gestão de Izaque Carvalho durante o biênio 2021-22, quando ele ocupava a presidência da câmara. Entre as alegações, consta que vários requerimentos relacionados a contratos e aquisições de bens supostamente realizados pela Câmara Municipal de Paulino Neves foram deferidos, alguns deles apresentados pelo vereador Darlyson, solicitando extratos bancários do mês de dezembro de 2022.

Após a apresentação da denúncia na Câmara Municipal de Paulino Neves, a presidência da mesa diretora, liderada pelo vereador Manoelzinho, submeteu o requerimento a uma votação para avaliação das acusações. A maioria dos vereadores votou a favor da investigação, com um placar de 9 a 1, sendo que apenas o vereador Izaque Carvalho votou contra.

Em seguida, foram escolhidos os membros da comissão responsável por investigar as denúncias. O vereador Coronel Jorge Bernardo, do PT, foi designado como relator, enquanto Elton Caldas assumiu a presidência da comissão. A comissão tem um prazo de 90 dias para apurar a denúncia e elaborar um relatório que poderá recomendar ou não a cassação de Izaque Carvalho.

Após o afastamento, o suplente Kedin do Barrocão foi empossado em uma sessão solene pela câmara. Izaque Carvalho defendeu-se alegando que tudo não passa de perseguição política.

Nossa reportagem também conversou com o advogado e analista político Vitelio Shelley, que considera o processo de cassação do parlamentar irregular.

Preliminarmente é preciso destacar que o julgamento de infrações político-administrativas é revestido de caráter político. Entretanto, para que o procedimento tenha validade jurídica é imprescindível a observância de algumas regras legais que serão, ainda que brevemente, explicadas neste parecer.

Assim, em que pese o Regimento Interno da Câmara Municipal de Paulino Neves dispor sobre o rito de cassação do Chefe do Poder Executivo e de vereadores, o Supremo Tribunal Federal possui enunciado de súmula vinculante nos seguintes termos:

Súmula vinculante 46-STF1: A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são da competência legislativa privativa da União. STF. Plenário. Aprovada em 09/04/2015

Assim, o STF entende que definir o que seja crime de responsabilidade e prever as regras de processo e julgamento dessas infrações significa legislar sobre Direito Penal e Processual Penal, matérias que são de competência privativa da União, nos termos do art. 22, I, e art. 85, parágrafo único, da CF:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
(…)
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de pro cesso e julgamento.”

O exercício de tal competência se deu com o Decreto-lei 201/67, recepcionado pela Constituição Federal de 1988, que prevê o rol dos crimes de responsabilidade e infrações político-administrativas aplicáveis à Prefeitos e seus respectivos ritos para o processo e julgamento.

Portanto, neste particular, não há que se falar na adoção do procedimento previsto no Regimento Interno desta Casa, mas sim naquele previsto no referido Decreto-lei. Esse, aliás, foi o entendimento do próprio Supremo Tribunal no julgamento da Reclamação 22.034:

Ementa: DIREITO ADMINISTRATIVO E ELEITORAL. RECLAMAÇÃO. SÚMULA VINCULANTE Nº 46. INFRAÇÃO POLÍTICOADMINISTRATIVA PRATICADA POR
PREFEITO. PARÂMETRO NORMATIVO DIVERSO DO DECRETO-LEI Nº 201/1967. 1. A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são de competência privativa da União (Súmula Vinculante 46). 2. A apuração e condenação de Prefeito por prática de infração político-administrativa com base em regramento municipal reconhecidamente distinto do Decreto-Lei nº 201/1967 viola a Súmula Vinculante 46. 3. Procedência da reclamação.

Não é diferente a jurisprudência dos tribunais, como por exemplo, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, conforme se vê na ementa do julgado abaixo colacionado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei Complementar nº 02, de 17.04.01, do Município de Mogi das Cruzes, dispondo sobre infrações político-administrativas do Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores e dando outras providências. Violação ao pacto federativo. Ocorrência. Inviável norma local dispor sobre crimes de responsabilidade, ressalte-se, já previstos em legislação federal (Lei nº 1.079/50 e Decreto-Lei nº 201/67). Competência da União para legislar sobre direito penal (art. 22, inciso I, da CF). Precedentes. Ação procedente. Portanto, é defeso ao Poder Legislativo local imiscuir-se na esfera privativa da União para legislar sobre crimes de responsabilidade e respectivas normas de processo e julgamento. Insistir na adoção do que dispõe o Regimento Interno sobre a matéria é eivar de vício insanável todo o procedimento, estando justificada sua não aplicação nesse sentido. Outro ponto a ser destacado neste item, pois será importante para que se entenda o papel de uma Comissão Processante, é que do entendimento dos Tribunais é possível concluir que o rito do Decreto-lei 201/67, mesmo para as infrações político-administrativas, tem natureza de norma processual penal, de maneira que é esse o ramo do Direito que servirá como filtro infraconstitucional, isto é, de onde se extrairá conceitos e princípios.

Assim, nos termos do art. 5º, inciso I, do Decreto-Lei 201/67, a denúncia da infração poderá ser feita por qualquer eleitor, devendo ser escrita, com a exposição dos fatos e a indicação das provas. Por óbvio, quando a norma utiliza a expressão “exposição de fatos” disse menos que precisava dizer. Isso porque os fatos narrados da denúncia são o ponto de partida para o exercício do contraditório e da ampla defesa do denunciado. Dito de outra forma, a peça acusatória deve permitir a identificação clara do fato (ou fatos) imputado ao acusado, a fim de possibilitar sua defesa. Este se defende dos fatos típicos que lhe são imputados, de modo que tais fatos devem ser expostos de maneira objetiva e mais minuciosa possível, estabelecendo a ligação com as provas que acompanham a denúncia.

Sem isso, a peça é inepta, e caso seja aceita pelo Plenário, macula de nulidade todo o procedimento. Assim, verificar se a denúncia observa este requisito é o primeiro passo na análise de sua admissibilidade que deve ser feito pela Comissão Interna da própria da Câmara e/ou da assessoria jurídica. Por conseguinte, é imperioso que se verifique a presença da justa causa, que é conceituada da seguinte maneira:

1) para o início do processo, é necessária a presença de lastro probatório mínimo quanto à prática do delito e quanto à autoria. É o denominado fumus comissi delicti, a ser compreendido como a presença de prova da existência do crime e de indícios de autoria.
2) Possível concluir, portanto, que, trazendo a lição de processo penal para o caso em análise, para ocorrer a abertura de um processo de cassação a denúncia deve trazer um lastro probatório mínimo quanto à prática de um dos incisos do art. 4º da Decreto-Lei 201/67 e indícios de que, de fato, o vereador tenha praticado ao menos uma das condutas ali descritas.

AS PRIMEIRAS CONDUTAS EM PLENÁRIO

Conforme se verifica, a denúncia apresentada é subscrita por um Vereador da Casa. Sendo assim, nos termos do inciso I do artigo 5º do Decreto-Lei 201/67, o Vereador está impedido de votar sobre a denúncia e de integrar a Comissão processante, podendo, todavia, praticar todos os atos de acusação. O dispositivo ainda impõe que seja convocado o suplente do Vereador impedido de votar para participar do processo de recebimento da denúncia e, caso recebida, este não poderá integrar a Comissão processante. Dessa maneira, a convocação do suplente para participar do momento específico da sessão deve ocorrer e ser remunerada normalmente, porque há previsão legal para tanto.
Estando o Suplente devidamente empossado e presente, o Vereador denunciante deve deixar o Plenário, e, na sequência, a Presidência dará cumprimento ao inciso II do art. 5º do DL 201/67, ou seja, determinar a leitura da denúncia e consultará a Câmara sobre o seu recebimento.

O PAPEL DA COMISSÃO PROCESSANTE

Caso não seja recebida, a denúncia será arquivada. Havendo o recebimento, pelo voto da maioria dos presentes, na mesma sessão será constituída a Comissão processante, com três Vereadores sorteados entre os desimpedidos, os quais elegerão, desde logo, o Presidente e o Relator. Neste ponto é necessário lembrar de um pressuposto já lançado: o procedimento de cassação tem caráter penal. Isto posto, se torna possível a compreensão de qual é o papel do órgão julgador no rito do Decreto-Lei 201/67. Não é nosso objeto esgotar o tema, mas trazer de forma didática quais os principais sistemas no processo penal e demonstrar qual é o adotado pela Constituição Federal vigente.

Não resta dúvida de que o sistema acusatório é o adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro e, consequentemente, deve ser observado no rito do processo de cassação. Dito isto, é possível sintetizar que o papel da Comissão Processante não é de investigação, tão pouco de acusação, mas sim de julgamento, pois num primeiro momento é ela quem decide sobre a procedência da acusação. Com tal papel, é imprescindível que aja de forma imparcial, abstendo-se da produção de provas (salvo em situações excepcionalíssimas e para esclarecer algo já alegado pelas partes).

Ou seja, a produção probatória é de incumbência das partes, descabendo à Comissão substituir-se a elas no intuito de buscar a comprovação de fatos que, apesar de articulados, não tenham sido demonstrados pelos interessados. Deveras, se existir a necessidade de investigação dos fatos narrados na denúncia, o rito de cassação não é o caminho, uma vez que a Comissão Processante não se presta a este papel.

Por fim, é bom ressaltar que a Comissão Processante, em sua primeira atuação, também realizará uma análise preliminar do caso, como se fosse um sumário de culpa da cassação, podendo optar pelo arquivamento da denúncia ou pelo prosseguimento. Neste último caso, inicia-se a instrução.

Desta forma, o afastamento do vereador foi absolutamente e sob qualquer enfoque irregular e passível de correção pelo Poder Judiciário.

 

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