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REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: O Jogo de aparências entre inclusão e exclusão

Em Barreirinhas, como em muitos outros rincões desse imenso Brasil, a regularização fundiária sempre foi o elixir mágico prometido para curar a ferida das desigualdades sociais e garantir a “segurança jurídica” nos negócios imobiliários.

O problema é que, mesmo com duas leis que tratam do tema, o caos urbano só cresce. O que parecia ser a solução virou uma máquina de perpetuar desigualdades, onde áreas de preservação ambiental se transformam em terrenos de negócios e as invasões se multiplicam como coelhos. De fato, a promessa de regularizar e resolver os impasses de uma cidade marcada pela informalidade, ao final das contas, não passou de uma fachada para beneficiar poucos, deixando de lado, claro, os “tradicionais” excluídos.

Entre os instrumentos de regularização previstos, o mais falado foi a REURB, que trouxe para o cenário barreirinhense a legitimação fundiária e a legitimação de posse. A primeira, com seu caráter “originário”, teria o nobre objetivo de conceder o direito de propriedade a ocupantes de áreas públicas ou privadas, desde que a ocupação tivesse sido consolidada até 22 de dezembro de 2016. Já a legitimação de posse, por sua vez, parecia ser o caminho da luz para a democracia, por ser mais flexível e não exigir o mesmo limite temporal, permitindo que ocupantes mais recentes também pudessem ser regularizados. Mas, ao colocar um marco temporal, a lei revelou o que estava oculto: um simples controle de populações e não uma política de verdadeira inclusão. E, claro, o melhor estava por vir.

A grande jogada da Lei é o tratamento diferenciado entre as diferentes classes de ocupações. Os núcleos urbanos informais de interesse social (REURB-S) são regulados pela legitimação fundiária, enquanto os de interesse específico (REURB-E) recebem o privilégio de venda direta, o que soa como um “presente” direto ao mercado imobiliário. Ao menos, essa foi a impressão deixada por um processo que, sob a ótica de alguns, mais favorece o setor privado do que efetivamente organiza a bagunça urbana.

Isso porque, na prática, grandes áreas públicas continuam a ser repassadas para a iniciativa privada a preços, digamos, “muito atrativos”, sem que se tenha um controle real da situação. E aqui surge a grande piada: enquanto o poder público e o mercado imobiliário comemoram, o cidadão continua esperando por uma tal “segurança jurídica” que ainda não chegou.
A legitimação de posse, com sua ausência de marco temporal, acabou sendo a grande estrela da Lei nº 13.465/2017.

O que poderia ser um passo em direção à regularização de ocupações mais recentes, acabou se tornando um convite à arbitrariedade. Afinal, a exigência de que o ocupante comprove que a posse é “mansa e pacífica” é uma das mais deliciosas ironias jurídicas que se poderia imaginar. Um critério subjetivo, flexível o suficiente para permitir que a “boa-fé” seja interpretada de maneiras bem convenientes, dependendo da ocasião. E quem sai perdendo, como sempre, é o povo – o que mais se encaixa no papel do excluído e invisível, mas que, na prática, não tem vez.

Porém, o grande truque da Lei é a conversão da posse em propriedade, que acontece após um belíssimo prazo de cinco anos.

Em outras palavras, cinco anos de sobrevida nas margens da informalidade até que o governo se lembre que você tem direito à sua casa. Cinco anos, ou uma eternidade, dependendo do ponto de vista. Se, por um lado, o prazo parece razoável para aqueles que nunca saíram das linhas da exclusão, por outro, é uma quimera para os mais conscientes de que, no Brasil, a regularização fundiária não passa de um jogo de poder mascarado de política pública.
Assim, ao invés de enfrentar as raízes da desigualdade urbana, a Lei reforça a exclusão, lançando os cidadãos para as bordas da legitimidade, onde o tempo, e só ele, determinará quem merece ou não ter direito à cidade.

Em resumo, a Lei de Regularização Fundiária, no fim das contas, é mais um capítulo da eterna narrativa de manutenção da ordem social e política do que um real esforço para transformar as condições de vida das populações marginalizadas. Sob a capa da inclusão e da segurança jurídica, o que se vê é um sistema que consagra a desigualdade, solidificando um modelo urbano onde a verdadeira inclusão social se mantém, mais do que nunca, uma utopia distante. Mas, claro, quem precisa de uma cidade mais justa quando se pode simplesmente fingir que está tudo sob controle, não é mesmo?

 

Editorial Imaranhao

 

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